Uma jovem de 27 anos de idade com queixas de dor localizada em ombro direito, sobre a face caudal lateral ventral e irradiam para o antebraço no lado ventral do polegar e dedo indicador. A dor é expressa com uma intensidade 6-8 na Escala Visual Analógica de Dor (foi utilizada uma linha não numerada de 10 cm). Estas queixas pioram durante as atividades laborais. Em seu trabalho ela tem de empacotar e desempacotar caixas. A atividade mais específica é a de fechar a caixas utilizando fita adesiva, a qual é puxada para cima.
Com base na anamnese, algumas disfunções parecem estar relacionadas às queixas da paciente. Eu desconfio de uma instabilidade de ombro, talvez associada a uma ligeira luxação, uma irritação pseudo-radicular e/ou tendinites na articulação do ombro. Com base nestas suspeitas, foi realizada a avaliação física.
Na observação e análise das atividades relacionadas ao trabalho, como o ato específico de empacotar uma caixa, ocorre uma alteração da coordenação sendo observável uma inclinação ventral da escápula.
A avaliação fisioterapêutica das regiões cervical e torácica é negativa. Na avaliação do ombro, os seguinte testes são positivos: O teste de apreensão, o teste de recolocação (relocation test), Teste de carga e deslocamento (load and shift test), o teste do quadrante, o ULTT para o nervo mediano. Na palpação, a cabeça do úmero direito encontra-se mais anteriorizada. De acordo com T'JONCK et al (28) e também de acordo com a revisão de CALLANAN et al (5), os três primeiros testes possuem uma boa confiabilidade na avaliação da instabilidade de gleno-umeral. O teste do quadrante de Maitland (18) detectou um comportamento alterado no movimento da articulação gleno-umeral. E durante o teste ficou evidente que a rotação lateral durante a abdução ocorreu mais cedo do que o normal, a amplitude de movimento (ADM) de abdução estava ligeiramente restrita comparado com o lado esquerdo, e também dentro da sensação final da articulação. No ULTT do nervo mediano, as queixas são reproduzidas no ombro e braço com 90 graus de abdução e 80 graus de rotação lateral. A dor chegou ao máximo em uma amplitude de 60 graus, sendo observada restrição da extensão do cotovelo em supinação com o pulso em dorsiflexão. Este teste também possui boa confiabilidade em detectar limitações da mobilidade do nervo (11,30). O paciente não apresenta sintomas de perdas neurológicas, por isso, um exame neurológico não foi efetuado.
Jovem, de 27 anos de idade, com queixas de dor em ombro direito irradiadas para a mão e dedos, baseada em uma instabilidade Gleno-umeral associada a irritação do nervo mediano. Devido a esta dor encontra-se limitada na realização de atividades como: alcançar, agarrar e aplicar força, resultando em redução em sua participação laboral.
Objetivo Principal:
Para alcançar estes objetivos, eu usei as seguintes intervenções: mobilização manual dorsal da cabeça do
úmero, exercícios de PNF (os quais serão especificados no presente artigo)
Embasamento da Literatura.
No mundo ideal, o terapeuta que buscasse a Fisioterapia Baseada em Evidência (FBE) teria acesso direto a todos os Ensaios Clínicos Randomizados e Controlados (RCT´s) além das Revisões Sistemáticas realizadas sobre o tema. No entanto, para isso existem muitas barreiras (17). Acontece que o mundo ideal para a FBE não existe. Para verificar se a estratégia de tratamento escolhida foi a correta, eu realizei uma busca nas revistas: “manual therapy”, “Fysiopraxis”, “The Dutch journal for physiotherapy” e a base de dados “Medline”. Os termos de busca foram: instabilidade, instabilidade de ombro, treino proprioceptivo, controle motor, Treinamento com PNF, ULTT e nervo mediano. Com isso, julgo ter verificado, para um fisioterapeuta holandês, uma quantidade representativa de fontes acessíveis.
As revisões de GIBSON et al (9) e CASONATO et al (6) oferecem orientações gerais para a aplicação de exercícios terapêuticos e terapia manual nos casos de um primeiro episódio de instabilidade de ombro. PANJABI (24) explica que cada movimento depende de três sub-sistemas: o passivo, o ativo e o neural. O sub-sistema ativo é formado pelos músculos e tendões ao redor da articulação gleno-umeral e pelos músculos do tórax e da escápula. Os músculos do manguito rotador são os principais responsáveis pelo posicionamento e estabilização da cabeça do úmero dentro da cavidade glenóide. O subsistema neural ou de controle é um elo fundamental entre os subsistemas ativo e passivo. A propriocepção desempenha um papel importante na orientação dos músculos pois a sensação de posição articular adequada permite a estabilização articular e ajuste da atividade muscular para a execução de movimentos suaves. No caso dos subsistemas ativo e neural não funcionarem adequadamente, o subsistema passivo pode ficar sobrecarregado e se tornar irritado.
A funcionalidade e a estabilidade dinâmica do complexo do ombro são asseguradas pelos músculos estabilizadores locais e mobilizadores globais (Hess, Jones 12,16). Este sistema é semelhante ao sistema de instabilidade lombar descrito por Hodges, Richardson, e O'Sullivan et al (13,23). Em relação a funcionalidade, a articulação gleno-umeral não pode ser analisada separadamente da estabilidade escapulo-torácica, ou mesmo da estabilidade antecipatória da coluna lombar e extremidades inferiores. Este sistema deve ser treinado como uma unidade em diversas situações.
MAITLAND(18) descreve técnicas de mobilização manual para melhorar a mobilidade articular. Utilizando estas técnicas é possível reposicionar o ligeiro deslocamento de ombro observado nesta paciente. MULLIGAN (20) explica que o deslizamento articular manual pode ser combinado com exercício ativo. Durante estes deslizamentos mantidos, o paciente é instruído a executar exercícios ativos utilizando padrões de PNF.
O estudo de SHIMURA e KAZAI (25) demonstra claramente que as posições e os exercícios de PNF são benéficos para a iniciação dos movimentos. Eles mediram os efeitos do PNF sobre o tempo de reação e potenciais motores evocados medido por meio de EMG. Sendo ambos positivamente influenciados pelas posições de PNF. MAGAREY e JONES (16) divulgam que em relação ao ombro, deve-se treinar o ajuste da escápula sobre o tórax utilizando o padrão escapular de PNF tanto em cadeia aberta quanto em cadeia fechada. Eles também discutem o ritmo escápulo-umeral, sendo preconizado o uso de padrões de PNF como forma de alcançar a melhor coordenação. JONES (16), HESS (12) também descrevem a presença de forças acopladas em relação a escápula e úmero. Os músculos trapézio e serrátil anterior trabalham de forma sinérgica para proporcionar estabilidade dinâmica a escápula. Os músculos do manguito rotador trabalham de forma similar para gerar a estabilidade dinâmica da gleno-umeral. Em cadeia cinética fechada, os rotadores laterais trabalham de forma sinérgica com o serrátil anterior para garantir a rotação lateral da escápula.
Quando em cadeia cinética fechada, os músculos Serrátil Anterior, Infra Espinhoso, Redondo Maior e Redondo Menor dão apoio à rotação lateral da escápula. Desta forma, agem como estabilizadores dinâmicos da escápula
Na elevação do braço durante o alcance, o complexo do ombro é totalmente ativado. A integração de todos os componentes é descrito como o ritmo escapulo-umeral. Existe grande discussão sobre este tema, mas neste momento uma relação média de 2:1 é considerado como normal para os movimentos do úmero em relação à escápula. Mc QUADE et al (21) estudaram os efeitos de cargas externas sobre este ritmo. Eles descobriram que com o aumento da carga, esta relação se modifica para 4,5:1, indicando que nesta situação mais forças estabilizadoras sobre a escápula são necessárias. No caso deste sistema muscular não estar sendo guiado com a coordenação adequada, desvios podem ocorrer na gleno-umeral. Eu acredito que no caso de um deslocamento ventral e caudal da cabeça do úmero, uma irritação do nervo mediano poderia se desenvolver, especialmente em caso de abdução e rotação lateral devido à parte mais espessa da cabeça do úmero rodando para frente.
Com base neste raciocínio biomecânico, e nos testes positivos, parece que neste caso, uma irritação do nervo mediano e da cápsula e ligamentos articulares se desenvolveram a partir de uma instabilidade gleno umeral. A partir de um estudo retrospectivo de MARKS (19), é evidente que a ciência garante que a sensação de posicionamento articular é tarefa dos proprioceptores musculares. A abordagem utilizando o conceito PNF faz uso de facilitação proprioceptiva para ativar o sistema neuromuscular e com isso melhorar a coordenação durante o movimento (4,14,26). Certamente existem outras linhas de pensamento para justificar a melhora do sistema neuromuscular.
O tratamento.
O paciente recebeu tratamento duas vezes por semana durante quatro semanas. Foram realizadas mobilizações manuais dorsais da cabeça do úmero. Durante o deslizamento dorsal, o paciente realizou exercícios de abdução ativa. De modo que SNAGs do conceito Mulligan foram utilizados (1,2,7,10,20). Além disto, o fechamento da caixa com fita adesiva foi treinado e imitado utilizado os padrões de PNF de extensão / abdução / rotação medial com extensão do cotovelo. Com isto, a orientação da coordenação e a ativação muscular específica dos músculos do ombro pode ser ensinada e exercida e os objetivos exercitados orientados e controlados. Para alcançar este objetivo, foram utilizadas as técnicas de "Iniciação Rítmica" e "Combinação de isotônicas" foram. O procedimento básico de "somatório temporal” permite enfatizar componentes do padrão (4,26). Neste caso, a estabilização da escápula é essencial. Esta foi exercitada com ênfase em construir um "segure" durante a depressão posterior da escápula, no qual o paciente poderia treinar o padrão acima mencionado. (ver foto)
Em uma cadeia cinética fechada, apoiando a tórax sobre os antebraços (posição puppy), foram realizados exercícios resistidos, especialmente no padrão para o modelo flexão/abdução/rotação lateral com extensão de cotovelo. Com este exercício ocorre uma irradiação e reforço para os rotadores laterais e para a rotação lateral da escápula. Com isso, o acoplamento de forças (citado anteriormente) para estabilização das articulações escápulotorácica e glenoumeral puderam ser bem treinadas. Ao mesmo tempo, a centralização da cabeça do úmerofoi assegurada de uma forma muscular e, se necessário, com facilitação manual.
Após as duas primeiras sessões do tratamento, nas quais a mobilização foi a abordagem escolhida, a ênfase do tratamento foi mudada para a coordenação da atividade muscular necessária para manter a cabeça do úmero centrada na glenóide. Com o aumento da percepção muscular (por uma mais evidente independência na verificação e manutenção da posição da escápula durante os exercícios) a ênfase foi deslocada para os exercícios direcionados para as atividades funcionais do trabalho (27). Todas as vezes os padrões as técnicas e os procedimentos de PNF descritos foram utilizados. A paciente recebeu exercícios domiciliares com "theraband", de forma que ela própria poderia fazer exercícios semelhantes em casa.
O Resultado:
Após o terceiro tratamento, o escore de dor foi caiu para 3,4. Após o quinto tratamento foi alcançado o retorno ao trabalho. No final do tratamento os testes de apreensão, o teste de recolocação, o teste de carga e de desvio foram negativos. No teste do quadrante, a rotação lateral durante a abdução apareceu cerca de 15 graus mais tarde quando comparada com o início do tratamento. A limitação ADM de abdução foi resolvida. No ULTT do nervo mediano, a extensão cotovelo agora é possível até 30 graus do enquanto a abdução e rotação lateral alcançam 100 graus cada uma. A diferença na palpação entre os lados esquerdo e direito é irrelevante. A EVA é 0,7 durante a atividade.
Finalmente
A estratégia de tratamento escolhida levou à um resultado positivo para p paciente e para o terapeuta. A perícia e com ela o conhecimento, habilidade e experiência do terapeuta estão dentro da terapia manual e dos exercícios terapêuticos do conceito PNF. Diversas publicações indicam que os sub objetivos podem ser alcançados com a terapia de exercícios com PNF. No entanto existem poucos RCTs publicados que investigaram o conceito PNF, especialmente em relação ao tópico descrito neste caso. Levando-se em consideração que: A escolha pelo melhor tratamento é uma integração de pesquisas científicas de um lado e de conhecimento, habilidades e experiência do terapeuta de outro, em ajuste com os valores e objetivos do paciente, a abordagem descrito acima é um exemplo de estratégia de tratamentobem aplicável e responsável.
1. Abbott JH, Patla CE, Jensen RH. The initial effect of an elbow mobilization with movements technique on grip strength in subjects with lateral epicondylalgia. Manual Therapy 2001 (3) 163-169
2. Abbott JH. Mobilization with movements applied to the elbow affects shoulder range of movement in subjects with lateral epicondylalgia. Manual Therapy 2001 (3) 170-177.
3. Belling Sorensen AK, Jorgensen U. Secondary impingement in the shoulder, an improved terminology in impingement. Scandinavian journal of medicine &science in sports 2000 (10) 266-278
4. Buck M, Beckers D, Adler S: PNF in Practice. Elsevier/De Tijdstroom 1988
5. Callanan M, Tzannes A, Hayes K, Paxinos A, Walton J, Murrell GA. Shoulder instability. Diagnosis and management. Australian family physician 2001 (7) 655-661
6. Casonato O, Musarra F, Frosi G, Testa M. The role of therapeutic exercise in the conflicting and unstable shoulder. Physical Therapy Reviews 2003 (8) 69-84
7. Exelby L. The Mulligan concept: its application in the management of spinal conditions. Manual Therapy 2002 (2) 64-70
8. Ferber R, Gravelle DC, Osternig LR. Effect of PNF stretch techniques on trained and untrained older adults. Journal of aging and physical activity 2002 (10) 132-142
9. Gibson K, Growse A, Korda L, Wray E, MacDermis JC. The effectiveness of rehabilitation for nonoperative management of shoulder instability: a systematic review. Journal of handtherapy 2004 (2) 229-242
10. Hearn A, Rivett DA. Cervical SNAGs: a biomechanical analysis. Manual Therapy 2002 (2) 71-79
11. Heide van der B, Allison GT, Zusman M. Pain and muscular response to a neural tissue provocation test in the upper limb. Manual Therapy 2003 (3) 154-162
12. Hess S.A. Functional stability of the glenohumeral joint, Manual therapy2000 (2) 63-71
13. Hodges PW, Richardson CA. Inefficient muscular stabilization of the lumbar spine associated with low back pain. Spine 1996 (22) 2640-2650
14. Johnson GS, Johnson VS. The application of the principles and procedures of PNF for the care of lumbar spinal instabilities. The Journal of manual and Manipulative therapy 2002 (2) 83-105
15. Klein DA, Stone WJ, ea. PNF training and physical function in assisted living older adults. Journal of aging and physical activity 2002 (10) 476-488
16. Magarey ME, Jones MA. Dynamic evaluation and early management of altered motor control around the shoulder complex. Manual Therapy 2003 (4) 195-206
17. Maher CG, Sherrrington C, Elkins M, Herbert RD, Moseley AM. Challenges for Evidence-Based physical therapy: Accessing and interpreting high quality evidence on therapy. Physical Therapy 2004 (7) 644-654
18. Maitland G. Peripheral manipulations, Butterworth 1986
19. Marks R.: Peripheral mechanisms underlying the signalling of joint position. NZ Journal of Physiotherapy 1997 April 7-13
20. Mulligan B. Mobilization with movements. The journal of manual and manipulative therapy 1993 (1) 154-156
21. McQuade KJ, Schmidt GL. Dynamic scapulohumeral rhythm: the effects of external resistance during elevation of the arm in the scapular plane. JOSPT 1998 (2) 125-131
22. Nitz J, Burke B. A study of the facilitation of respiration in myotonic dystrophy. Physiotherapy research international 2002 (4) 228-238
23. O’Sullivan PB, Twomey LT, Allison GT. Evaluation of specific stabilizing exercise in the treatment of chronic low back pain with radiologic diagnosis of spondylolysis or spondylolisthesis. Spine 1997 (24) 2959-2967
24. Panjabi M, Abumi K, Dureanceau J Oxland T. Spinal stability and intersegmental muscle forces a biomechanical model. Spine 1989 (14) 194-200
25. Shimura K, Kasai T. Effects of proprioceptive neuromuscular facilitation on the initiation of voluntary movement and motor evoked potentials in upper limb muscles. Human movement science 2002 (1) 101-113
26. Smedes F. PNF Beter (be)grijpen. Fysiopraxis 2001 (12) 42-46
27. Smedes F. Functioneel oefenen, betekenis van het functioneel oefenen binnen het PNF concept Fysiopraxis 2002 (11) 9-11
28. T’jonck L, Staes F, Smet de L, Lysens R. De relatie tussen klinische schouder tests en de bevindingen bij artroscopisch onderzoek. Geneeskunde en Sport 2001 (1) 15-24
29. Wang RY. The effect of proprioceptive neuromuscular facilitation in case of patients with hemiplegia of long and short duration. Physical Therapy 1994 (12) 25-32
30. Yaxley GA, Jull GA. A modified upper limb tension test: An investigation of responses in normal subjects. Australian physiotherapy 1991 (3) 143-151