segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Programas de exercícios para crianças com paralisia cerebral.



Para fugir um pouco da terapia manual, deixo hoje trechos da tradução de uma revisão sistemática recente que investigou a evidência dos programas de exercício utilizados em crianças com Paralisia Cerebral.
O texto é bastante claro, com a metodologia de pesquisa muito bem descrita - excelente para o pessoal se guiar na hora da monografia ;) Além disso as conclusões também claras e coerentes.
Espero que gostem.

Exercise Programs for Children with Cerebral Palsy _ A Systematic Review of the Literature
Programas de exercícios para crianças com paralisia cerebral. Uma revisão sistemática da literatura
Verschuren O, Ketelaar M, Takken T, Helders PJM, Gorter JW: Exercise programs for children with cerebral palsy: a systematic review of the literature. Am J Phys Med Rehabil 2008;87:404–417.

RESUMO
O propósito desta revisão da literatura, conduzida em relação a todos os tipos de programas de exercícios focados no condicionamento cardiovascular (aeróbico e anaeróbico) e/ou fortalecimento de membros inferiores em crianças com paralisia cerebral (PC), foi abordar as seguintes questões: (1) Quais programas de exercícios focados no fortalecimento muscular, condicionamento cardiovascular ou uma combinação destes foram estudados, e quais os efeitos destes programas de exercícios em crianças com PC ? (2) Quais medidas de desfecho foram utilizadas para avaliar os efeitos destes programas ? e (3) Qual a qualidade metodológica destes estudos?
Nós realizamos uma busca sistemática da literatura disponível em bases eletrônicas até outubro de 2006 e foram incluídos um total de 20 estudos. A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi considerada baixa. No entanto, parece que crianças com PC podem se beneficiar de programas de exercícios focados em força muscular de membros inferiores, condicionamento cardiovascular, ou uma combinação destes. As medidas de desfecho nestes estudos não eram específicas para a intervenção proposta e geralmente apenas focadas na Classificação Internacional de Funcionalidade. Existe uma necessidade de se determinar a eficácia dos programas de exercícios na melhora a atividade diária e nível de participação das crianças com PC e aumentar suas auto-competências ou qualidade de vida.


INTRODUÇÃO
A paralisia cerebral (PC) é um termo que descreve um grupo de desordens do desenvolvimento do movimento e da postura, os quais causam limitação das atividades atribuída à um distúrbio não progressivo que ocorre no feto ainda em desenvolvimento fetal ou no cérebro imaturo. As desordens motoras na PC são geralmente acompanhadas por distúrbios sensitivos, cognitivos, da comunicação, percepção e/ou comportamento e/ou por desordens convulsivas. Devido às deficiências, muitas crianças e adolescentes com PC tem ao menos dificuldades com atividades como andar de modo independente, subir e descer escadas, correr ou deslocar-se de forma segura sobre terrenos irregulares (o período denominado infância geralmente refere-se ao período dos 2 aos 12 anos de idade, e adolescência refere-se ao período dos 13 aos 21 anos. Nesta revisão, crianças e adolescentes serão descritos simultaneamente como crianças). Melhorar a marcha ou no desempenho de atividades funcionais são sempre o objetivo primário em crianças com PC. Exercícios referem-se à atividades planejadas envolvendo movimentos repetidos dos músculos esqueléticos, que resultam em gasto energético e tem como objetivo melhorar ou manter o nível de condicionamento físico acima da intensidade das atividades do dia a dia. Exercícios em crianças com PC tem sido geralmente evitados devido à preocupação com os efeitos negativos de tal esforço sobre a espasticidade e padrões de movimento da criança. Vários fatores contribuíram para a recente mudança de perspectiva em relação aos exercícios nestes pacientes. Estudos que investigaram os efeitos dos exercícios físicos em crianças com PC não relataram efeitos adversos nos padrões de movimento, na flexibilidade ou espasticidade.Muitos programas de exercícios para crianças com PC são primariamente desenvolvidos para os membros inferiores. As funções mais comuns dos membros inferiores tendem a ser atividades motoras grosseiras, envolvendo movimentos repetitivos, recíprocos e coordenados de ambos os MMII para se deslocar no espaço e geralmente exigem pouca esforço consciente durante o exercício. Tem havido um grande interesse em desenvolver e implementar programas de exercícios para melhorar o condicionamento cardiovascular (capacidades aeróbia e anaeróbia) e/ou fortalecimento muscular dos MMII de crianças com PC. Duas revisões sistemáticas que examinam os efeitos do fortalecimento em PC foram publicados. Até o momento não existem revisões sistemáticas que examinem todos os tipos de programas de exercício focados no condicionamento cardiovascular) e/ou fortalecimento muscular dos MMII de crianças com PC.
O propósito do presente trabalho é revisar sistematicamente a literatura em relação a programas de exercícios em crianças com PC para responder às seguintes questões: (1) Qual programa de exercícios focados no fortalecimento muscular de MMII, condicionamento cardiovascular ou a combinação de ambos foram estudados e quais os efeitos sobre crianças com PC? (2) Quais foram os desfechos utilizados para avaliar estes programas de exercícios? E (3) Qual é a qualidade metodológica dos estudos?
Em muitas revisões sistemáticas, é realizada uma meta-análise, combinando estatisticamente os resultados de vários estudos em um tamanho estimado de efeito único. No entanto, as mate-análises foram desenvolvidas especificamente para estudos randomizados e controlados. Nós esperamos que a maioria dos trabalhos sejam estudos observacionais, uma condição na qual o uso de meta-análise não é geralmente recomendada. Portanto, foi realizada uma revisão sistemática qualitativa dos efeitos de todos os tipos de programas de exercícios focados no condicionamento cardiovascular (capacidades aeróbia e anaeróbia) e/ou fortalecimento muscular dos MMII de crianças com PC.

METODOLOGIA
Estratégia de busca
As seguintes bases eletrônicas foram pesquisadas desde suas respectivas inserções até Setembro de 2006: MEDLINE, PubMed, EMBASE, CINAHL, Sports Discus, Cochrane, and PEDro. Os termos de busca incluíram cabeçalhos de assunto e palavras no texto baseadas em: (I) cerebral palsy; (II) exercise ( em combinação com strength, fitness, working capacity, aerobic power, anaerobic power, endurance, cardiorespiratory physical training or program); (III) lower extremity; and (IV) clinical trials. Os critérios de inclusão foram: (1) Crianças e adolescentes com PC, (2) Intervenção (programas de exercícios focados no fortalecimento muscular de MMII, condicionamento cardiovascular ou a combinação de ambos) e (3) desfecho (mensuração das mudanças na função corporal e estrutura, atividade ou participação). Os critérios de exclusão foram: (1) Dissertações de Doutorado, (2) relatos publicados em livros, (3) relatos publicados em conferências de congressos, e (4) estudos que incluíram crianças com PC e crianças com outros diagnósticos.
Extração de informações
Os Artigos incluídos foram lidos por 3 revisores independentes (foram sorteados entre 5 possíveis revisores para cada artigo), com experiência em fisioterapia pediátrica, fisiologia do exercício ou reabilitação. Todos os revisores registraram detalhes do desenho do estudo, participantes, intervenções, medidas de desfecho, resultados e conclusões. Quaisquer desacordos ou discrepâncias foram resolvidos por meio de discussão entre os revisores até um consenso ser alcançado e checagem do artigo original. Naqueles onde informações chave não foram relatadas, houve um esforço em contatar os autores para obter os detalhes.
O treino de fortalecimento dos membros inferiores foi definido como a prescrição de exercícios para os membros inferiores com o objetivo de ganho de força e resistência muscular, os quais são tipicamente efetuados por contrações musculares repetidas contra resistência, a qual pode ser o próprio peso do corpo, faixas elásticas, pesos, equipamentos de musculação ou equipamentos isocinéticos. O treinamento aeróbico foi definido como aquele com o objetivo de e melhorar o componente cardio-respiratório do condicionamento físico os quais são tipicamente realizados por longos períodos de tempo. O treinamento anaeróbico refere-se a exercícios que exijam grande gasto de energia por um curto período de tempo.

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE
Os artigos obtidos foram avaliados pelos mesmos 3 revisores que realizaram o registros das informações específicas de cada trabalho. Os estudos empíricos que preenchiam os critérios de inclusão foram avaliados de acordo com a escala PEDro de qualidade metodológica. Com a escala PEDro, os seguintes indicadores de rigor metodológico foram avaliados de forma independente pelos revisores como ausente (pontuação = zero) ou presente (pontuação = 1ponto): (1) Especificação do critério de eligibilidade, (2) alocação aleatória da amostra, (3) alocação dissimulada, (4) Prognósticos similares no início da pesquisa, (5) pacientes “cegos” (6) terapeutas “cegos”, (7) avaliador “cego”, (8) acompanhamento de mais de 85% para pelo menos um desfecho chave, (9) Análise estatística do tipo “intention-to-treat”, (10)Análise estatística entre os grupos de ao menos um desfecho chave, e (11) estimativa de variabilidade de ao menos um desfecho chave. Os pontos só foram considerados quando o critério avaliado foi claramente satisfeito e relatado no estudo.

Avaliação da Evidência
Ensaios Clínicos Randomizados e Controlados (do inglês Randomized Controled Trials – RCTs) são o melhor desenho de estudo para garantir que os desfechos observados sejam resultado do tratamento e não de outros fatores. Eles têm boa validade interna, assim, são o método ideal par determiner a eficácia de um tratamento. Porém, este tipo de estudo são geralmente difíceis de serem conduzidos. Como resultado, muitos estudos empregam desenhos de pesquisa menos controlados. A variedade de desenhos de pesquisa na literatura obriga a utilizar um método para ajudar a avaliar os diferentes métodos e atribuir um peso a seus achados. Para determinar o grau de confiança que pode ser atribuído às evidências disponíveis sobre determinada intervenção, foi utilizado um sistema de graduação desenvolvido pela American Academy for Cerebral Palsy and Developmental Medicine (AACPDM). Para os níveis de evidência, confira a Tabela 1

RESULTADOS:
Resultados da busca.
A busca inicial identificou 581 citações. Com base no título e nos resumos, excluímos 559 estudos, os quis não preenchiam os critérios de inclusão. Os 22 artigos restantes foram lidos na íntegra, sendo que 4 estudos foram excluídos pois a intervenção não preencheu os critérios de inclusão. Uma busca nas referências destes trabalhos nos levou a outros 2 artigos, os quais foram incluídos. Um total de 20 trabalhos restaram e foram incluídos na presente revisão sistemática. (FIG1): 11 estudos versam sobre fortalecimento, 5 sobre treinamento aeróbico, e 4 estudos sobre treinamentos mistos. Todas as informações foram obtidas diretamente dos artigos. Nenhum artigo sobre treino anaeróbico foi incluído, portanto, os estudos foram divididos em 3 categorias: treinamento de força de membros inferiores, treino aeróbico e treino misto.

DISCUSSÃO
Houveram apenas 5 RCTs que investigaram a eficácia de programas de exercícios para crianças com Paralisia Cerebral, e muitos deste estudos tiveram um controle ruim. Esta revisão sistemática oferece uma visão geral das características das intervenções e das medidas de desfecho utuilizadas nos programas de exercícios para crianças com paralisia cerebral.
Características Ida Intervenção
Os programas investigados variaram em relação ao desenho, população e avaliação, incluindo intervenções em laboratórios, na comunidade e programas domiciliares e escolares. Os supervisores dos exercícios foram fisioterapeutas ou os próprios pais.
Além disso, existe pouca evidência para identificar a freqüência, intensidade, local, supervisão e duração da atividade ideal para o programa de exercícios. Com base no treinamento de força, pode ser sugerido que um programa de no mínimo 6 semanas, com uma freqüência de 3vezes na semana pode ser o suficiente para melhorar a performance muscular dos membros inferiores.
Para melhorar a capacidade aeróbica, sessões de treinamento que variem de 2 a 4 vezes por semana por pelo menos 6 semanas pode ser adequado. O treino misto, que demonstrou aumento significativo na força muscular e no comprimento do passo variou de 4 semanas a 6 meses.
Nenhum estudo comparou a resposta ao treinamento em diferentes faixas etárias. Nos trabalhos revistos, não houve indicação de que crianças com menos de 12 anos reagissem de forma diferente aos programas de exercício comparado a crianças mais velhas. De forma geral, a capacidade aeróbica e a força muscular parecem ser treináveis em crianças de todas as idades
Nenhum dos programas de treinamento foi focado na capacidade anaeróbica. Isto é surpreendente, considerando que a maior parte das atividades diárias em crianças são de curta duração e de alta intensidade. Por este fato, o capacidade anaeróbica poderia ser uma importante medida de capacidade funcional. Em crianças com disfunção neuromotora, a força anaeróbica (anaerobic Power) é considerada uma medida de capacidade funcional mais adequada do que a força aeróbica máxima (maximal aerobic Power)
A capacidade de crianças com PC manterem os ganhos obtidos com estes programas permanece obscura pois poucos estudos incluíram um período de acompanhamento destas crianças. Com base nos achados limitados, pode-se sugerir que os benefícios obtidos com o treino de fortalecimento e treinamento misto se mantiveram ao longo do acompanhamento. No entanto, a capacidade aeróbica se reduz bastante neste acompanhamento.

CONCLUSÃO.
Em geral, a qualidade metodológica e o nível de evidência nos estudos incluídos foram baixos. Apenas 5 RCTs foram incluídos. No entanto, a partir de uma avaliação crítica da informação atualmente disponível, parece que crianças com PC podem se beneficiar de programas de exercícios focados no fortalecimento das extremidades inferiores, condicionamento cardiovascular ou em uma combinação destes. As medidas de desfecho utilizadas não eram específicas para a intervenção, e geralmente focadas na função corporal e nível de atividade da CIF. Assim, apesar dos programas aumentarem a força muscular e capacidade aeróbica , há a necessidade de mais evidências para se determinar até onsde este treinamento é capaz de se traduzir em ganhos substanciais e prolongados nas atividades de vida diária, no nível de participação, competências e qualidade de vida destas crianças.